
“O sistema prisional, como um todo, é adoecedor”:
a violação dos direitos humanos
nas penitenciárias femininas cearenses
Ressocialização
O mercado de trabalho brasileiro oferece poucas oportunidades de emprego. Profissionais qualificados, pessoas com ensino superior completo ou com cursos profissionalizantes costumam ter dificuldade quando buscam por uma ocupação, e para quem possui antecedentes criminais no currículo a situação pode se agravar ainda mais. É comum escutar frases como: “Se quisesse mudar de vida mesmo arrumava um emprego”. Mas a ativista e dona do canal abolicionista A voz do cárcere explica que a situação não é tão simples quanto parece. "Por trás de cada número existem trajetórias, existem subjetividades, existem mulheres que têm uma vida fora do presídio e a gente tem que pensar muito humanamente como elas podem ser reintegradas.
então é uma situação bem complicada que tem que ser pensada com muito humanismo. A gente tem que deixar de pensar nessas pessoas como números, são vidas”, relata Lívia (nome fictício).
A defensora pública Dra.Aline Miranda desabafa sobre a dificuldade de ressocialização das ex-detentas e sobre como seu trabalho nas penitenciárias requer algo além do que seu cargo implica: "Eu cansei de só fazer a parte jurídica do trabalho, de só pedir pra sair, de só trabalhar pela liberdade deles. Por que? Porque esse tempo todo de casa, muitas vezes você ajudava e daqui um tempo atendia a mesma pessoa que você tinha conseguido a liberdade, isso era muito frustrante e você conversa com a pessoa e ele diz ‘não tinha chance de nada, não tinha opção, minha família não me acolheu, eu fiquei na rua, eu tive que fazer de novo, roubar de novo…’ então assim, o círculo da violência se repetindo, reiterada vezes e aí foi com o que me motivou muito a procurar parcerias, procurar fora na sociedade civil, na iniciativa privada, pensar com outras instituições, como a pastoral carcerária ou as Organização da Sociedade Civil, como é que a gente poderia tá prestando atenção maior do que a simplesmente jurídica, tanto com nos aspectos emocionais, quando na qualificação profissional e na reintegração quando eles saem da unidade” ,disse a defensora pública.
Nesse cenário de dificuldades e preconceito, o trabalho da Pastoral Carcerária passa a ter um papel fundamental na transição entre presídio e liberdade, auxiliando mulheres a manterem-se longe da vida do crime. Irmã Elizabeth, que trabalha na instituição, explica que a forma do trabalho, durante a pandemia do Covid-19, mudou, mas continua ativo. "A gente faz essa roda de conversa, de diálogo, para que elas possam externalizar suas dores e sofrimentos. Então agora está sendo muito bom esse acompanhamento com elas né, onde muitas delas dizem 'eu passei por tudo isso lá, não quero mais voltar, estou aqui procurando me regenerar pra não voltar mais pra lá, mas a tentação é muito grande' Porque elas não têm trabalho, às vezes têm filhos, não encontram trabalho com tanta facilidade, então estamos tentando", explica.
Ao que tudo indica , no Ceará, o sistema carcerário não cumpre com suas funções, e isso está ligado à infração dos direitos dos encarcerados dentro de um ambiente carregado por autoritarismo e condições precárias. E uma vez que o objetivo da ressocialização foi descumprido, o número de reincidência pode aumentar. Mas, para além da problemática de reinserção de uma infratora na sociedade, discute-se os traumas físicos e psicológicos que as encarceradas levam para vida após sua passagem pela prisão. "Era uma situação difícil que a gente passava lá. Até hoje eu choro lembrando do que passei", desabafa Ana Clara. Como já dito o filósofo Michel Foucault, "o problema não é mudar a 'consciência' das pessoas, ou o que elas têm na cabeça, mas o regime político, econômico, institucional de produção da verdade."
Foto: arquivo pessoal Dra. Ruth - da Pastoral Carcerária
