
“O sistema prisional, como um todo, é adoecedor”:
a violação dos direitos humanos
nas penitenciárias femininas cearenses
Arrogância por parte das agentes
“Eu tenho foto aqui ainda das pancadas que eu levei”, diz Ana Clara. Atitudes de descaso e indiferença vindo das policiais penais como citado acima, não ocorrem somente com as detentas. Familiares e voluntários que atuam no presídio, também sofrem assiduamente com as brutalidades desses profissionais.
Atuante na Pastoral Carcerária Cearense, Irmã Elizabeth visitava antes da pandemia as encarceradas todas as quartas-feiras para oferecê-las assistência religiosa e humana. Entretanto, antes mesmo da pandemia, essas visitas se tornaram difíceis. “Uma das últimas vezes que nós fomos lá, estávamos sentindo muita dificuldade de entrar, quando as detentas se aproximavam da grade, a gente não ficava lá nem cinco minutos, porque elas (agentes) estavam proibindo a gente, e as detentas tinham que ir pro procedimento. Não deixavam elas ficarem perto de nós para ouvirem a palavra e para cantar. Isso pra mim é um absurdo”, relata. “Não podíamos cantar, falar alto, nem levar o violão que eu gostava de levar, ultimamente a gente tava sendo proibidas disso. Levar caneta, agenda e livro de cântico era muita dificuldade. Mas agora no momento nós estamos fazendo o seguinte, não estamos indo lá, mas estamos buscando outra forma de chegar até eles, através de seus familiares” continua.
Nessa circunstância, Ana Clara confirma as dificuldades das irmãs da Pastoral em visitá-las, “as irmãs iam falar com a gente, elas (agentes) empurravam e tiravam falando assim ‘acabou, acabou’, aí gritava com a gente pra ir pra cela. A irmã (Elizabeth) já acompanhou, já deve ter visto gente naqueles corredores apanhando e gritando de chorar. Porque quando vocês estão lá (as irmãs da pastoral) elas fazem um sigilo medonho”. Inclusive, salienta sobre as polícias penais afirmarem não deixar as irmãs entrarem com os cadernos e canetas para não pegarem os telefones dos familiares das internas. "As irmãs tao vindo ai, mas vocês não vão dar número hoje não, não vão dizer o que está acontecendo aqui porque o plantão (das agentes) que tá hoje é pente fino e se vocês falarem alguma coisa, vocês vão se lascar todinha na mão com a gente”, diziam as agentes penitenciárias de acordo com Ana Clara. “Veio porque quis, sabia que era pau, se voltou (sobre as regressas) achou bom e vão só apanhar",cantavam as agentes, acrescenta.
Novamente, as arrogâncias respingam, sobretudo, para cima das detentas e quando ocorrem denúncias por tais, feitas com auxílio de seus defensores, elas não são consideradas e a culpa recai sobre essas mulheres encarceradas. “Muitas vezes a gente encontra situações que nos parece ter havido um excesso por parte da agente penitenciária. Situações de humilhações que elas relatam serem obrigadas a se ajoelharem e fazer coisas como limpar o chão de um jeito ofensivo. Elas dizem que receberam um cacetete nas mãos e então, alguns desses relatos acontecem sim e tudo isso é tomado a termo para fazermos a defesa em cima disso, no entanto o conselho disciplinar é formado por uma estrutura da própria unidade, da própria casa e quase sempre as nossas defesas não são consideradas e acaba ainda se aplicando uma falta na interna, impondo uma falta disciplinar e quando isso acontece, a gente tenta se desconstituir judicialmente, administrativamente a gente não consegue”, conta a defensora pública Dra. Aline Miranda.
Os familiares, de outro modo, sofrem com tratamentos carregados de desprezo. Muitos sentem o julgamento nos olhos e nas atitudes dos profissionais da área, e como cita a ativista Lívia (nome fictício), , dona do canal abolicionista A voz do Cárcere:
As condutas tomadas pelos agentes homens, assemelham-se com as das agentes femininas, perpetuando ainda mais um esquema de violência. Claudia (nome fictício), mãe de um homem em cárcere, desabafa sobre o tratamento recebido pelos agentes homens. "Alguns deles são meio que abusados, assim como se tivessem raiva da gente”, e continua, "eu acho que eles lá das unidades deveriam não olhar para os familiares com o mesmo olhar que eles têm com os detentos. Assim como eu, tem muita mãe, irmã, vó, enfim, que sofre tanto por eles estarem lá. Nós não temos culpa. E é muito doloroso o que passamos. Eu, por exemplo, sofro demais por essa situação e também em precisar tá em presídio, seja levando os malotes ou pra visita. É muito angustiante, sofredor é cruel. A gente faz isso por eles, por amor. Independente do que eles tenham feito, mãe nunca abandona”.
Sobre os maus tratos, Livia reitera que “nem os próprios internos devem ser maltratados, porque eles estão cumprindo a lei de execução penal, então não tem pra que, não faz parte da lei de execução penal que eles devem ser tratados com arrogância, com abuso de poder, nem eles, imagine nós que somos cidadãos, familiares e estamos lá fazendo nosso papel de parente”. Apesar dos familiares acima denunciarem relatos de agentes penitenciários masculinos, podemos ver anteriormente que mulheres encarceradas também sofrem rotineiramente com a brutalidade das agentes penitenciárias.
“É toda uma atmosfera adoecedora, porque impera essa lei da sujeição, do uso da força e da violência”, explica a Dra. Aline Miranda. “Mas veja, em todos esses anos eu nunca vi um caso de expulsão de agente penitenciario por tortura”, reitera a defensora. Contudo, ainda salienta que de forma geral, em casos isolados, agentes apenas são transferidos, mas nunca punidos por seus atos violadores.
Voz da Dra. Aline Miranda, ela comenta sobre os casos de denuncias de violência aplicada por agentes penitenciárias:
As consequências desse tratamento opressor reverberam no psicológico dessas mulheres diariamente, o ambiente nada propício, a violência, a falta de comunicação e auxílio, fazem-nas a cometerem danos em si mesmas. “Muito sofrimento, fiquei sem energia, um horror, fiquei até com começo de depressão. Tem mulher lá que se mutila. As meninas se cortam lá com depressão por causa da polícia, pedem ajuda para falar com familiar e não conseguem, se levar o número, chega com mentira dizendo que ligou e tá esperando a resposta. Então sabe o que elas fazem? As mulheres começam a se cortar lá (no IPF Auri Moura Costa), começam a cortar os pulsos, começam a cortar as pernas para chamar atenção da polícia. Sabe o que que a polícia diz? ‘Sabe onde é que você corta? Corta aqui no pescoço, porque você vai conseguir alguma coisa, só morrer que o rabecão chega aqui no outro dia para pegar o corpo de vocês’. É desse jeito que elas dizem quando a gente pedia um atendimento”, desabafa Ana Clara, expondo ainda mais condições de vulnerabilidade em que vivia no presídio feminino antes de ficar sob regime de prisão domiciliar.