
“O sistema prisional, como um todo, é adoecedor”:
a violação dos direitos humanos
nas penitenciárias femininas cearenses
Realidade do sistema carcerário feminino brasileiro

Foto: reprodução/internet
Quando buscamos pelo significado de penitenciária no dicionário de português, entendemos que é um lugar onde as pessoas condenadas à privação da liberdade se recolhem para que ali, cumpram as suas respectivas penas. A execução da sentença tem como uma de suas finalidades a ressocialização do indivíduo durante seu processo de condenação, no entanto, o sistema prisional brasileiro conserva um histórico opressor com medidas punitivas que vão além do estabelecido pelo poder judiciário, resultando na violação dos direitos e garantias dos encarcerados.
Ao tocarmos nesse assunto, é importante colocarmos em pauta as condições que a figura feminina vive dentro desse ambiente de precariedade, pois como a advogada criminalista e agente da Pastoral Carcerária do Ceará Dra. Ruth Vieira aponta: “o sistema de justiça não é preparado para dar às mulheres tratamento específico à sua condição. Desde a dificuldade da escassez de absorvente até a negligência quanto à maternidade, todo tipo de desconsideração às necessidades femininas se verifica. As mulheres são tratadas como os homens e são extremamente brutalizadas”. Assim, o Estado parece ignorar as diferenças biológicas entre mulheres cis e homens cis, aplicando o mesmo tratamento a ambos e excluindo as peculiaridades do corpo feminino.
Muito se debate sobre a justiça ser feita por homens e para os homens, partindo desse princípio é recente a legislação que propõe a construção de estabelecimentos prisionais que possam atender, sobretudo, às específicas carências da mulher presa. A mulher então, passa a ocupar um espaço de vulnerabilidade dentro dos presídios que não conseguem atender às suas necessidades básicas devido a uma má gestão desses espaços. A falta de insumos, por exemplo, é um grave problema e durante uma entrevista com uma detenta sob prisão domiciliar, Ana Clara (nome fictício) que passou três anos no Instituto Penal Feminino Auri Moura Costa, descreve que chegou a dividir um sabonete com outra presa da unidade: “Elas (internas do IPF) dizem que o Estado está dando produtos de higiene pessoal... tá, tá dando mas ao mesmo tempo tá tirando. Porque elas dão (os produtos) no dia e no mesmo dia de noite elas vêm tirar. Então, elas dão um absorvente, um sabonete para duas pessoas. Como é que uma pessoa vai usar um sabonete (em barra) para duas pessoas, senhora? Uma kiboa (água sanitária) de cinco litros para doze pessoas? É um copo daqueles plástico para cada pessoa, um sabão para duas pessoas. Como a gente vai lavar roupa com um pacote de sabão para duas pessoas? Pra passar um mês? Não existe. Uma pasta de dente para quatro pessoas, pra passar um mês todinho. Tem condições?”. Ainda sobre as questões sanitárias, Ana afirma que precisou utilizar-se de pedaços do seu lençol e toalha para conseguir controlar seu fluxo menstrual, pois o único pacote de absorvente distribuído para ela e outras quatro detentas não foi suficiente.
A violação dos direitos dessas mulheres são constantes, na opinião da ativista de direitos humanos e dona do canal abolicionista “A Voz do Cárcere”, Lívia (nome fictício), o motivo é o fato da figura feminina ainda ser vista como vulnerável, diferentemente dos homens e salienta que “é um problema muito grande também porque as mulheres além delas sofrerem absurdamente com essas violações que eu penso serem piores que a dos homens, porque elas tem que passar por gestação, por menstruação e várias coisas”. O abandono familiar que essas mulheres sofrem, para ela, também é algo a ser discutido. “Se você for ver a fila de um presídio masculino e olhar pra fila do presídio feminino você vai ver a diferença gritante. É uma situação de abandono. As companheiras estão lá visitando seus esposos, mas quem é que tá visitando as mulheres? Então é uma situação gritante de abandono durante as visitas.” relata.
A Constituição Federal, lei maior de nosso País, assegura no art. 5o os direitos e garantias fundamentais de todos os cidadãos e cidadãs. Mesmo tendo elas cometido crimes e estarem presas, são cidadãs e devem ser tratadas como tal. Embora exista essa lei no papel, na prática, por vezes, ela não é cumprida. As superlotações nas celas, violências, preconceitos, abusos e maus tratos são negligenciados por aqueles que detém poder, resultando na invisibilização dessas mulheres diante seus direitos e perante a sociedade. Segundo a defensora pública atuante no IPF Auri Moura Costa, Dra. Aline Miranda,
e ainda acentua “só as batidas das grades fechando, aquele impacto, aquele ‘pá’, aquilo dali já é algo que afeta o emocional, já deixa a gente em estado de alerta, imagina quem vive aquilo todos os dias, todas as horas, todo o tempo.”