
“O sistema prisional, como um todo, é adoecedor”:
a violação dos direitos humanos
nas penitenciárias femininas cearenses
Indiferença com a saúde
A assistência à saúde dentro do presídio feminino também é precária. Ana Clara, por sua vez, relata a existência de apenas um medicamento para tratar as doenças, como febre, dor de dente, dor de cabeça, dentre outras. “O remédio que ela dava era dipirona, dipirona não era remédio pra dor de dente, não era remédio pra dor de barriga, tudo lá só dava isso aí." desabafa. Ao ser questionada mais uma vez sobre a questão dos medicamentos, novamente respondeu ter apenas a dipirona, mas após uma interna ter reação alérgica, a prescrição foi suspensa. “Porque na cadeia é um canto que aparece tudo (doenças), só que a gente precisa de um atendimento médico, o médico lá atendia e sempre dizia que a gente não tinha nada, passava o que? Paracetamol, ibuprofeno, e mesmo assim era regulado pela polícia, porque quando a gente descia a polícia tomava o remédio, então eu achava que aquilo ali não servia pra nada não ``, relata.
Além disso, segundo Ana Clara ocorreu no presídio feminino um episódio no qual as detentas passaram mal por alimentarem-se de comida estragada, os profissionais da unidade deram somente soro caseiro feito na cozinha, devido a falta de assistência para internação. Essas ações descumprem e desconsideram o fato dessas mulheres terem o direito de receberem assistência médica que respeitem as suas peculiaridades. Mas os casos de negligência não param por aqui, pois Ana Clara relata que ao contrair covid-19, ao invés de ter sido tratada no hospital, recebeu tratamento na Casa de Privação Provisória de Liberdade (CPPL VI) e relata um pouco das dificuldades que enfrentou: “eu me enrolei com saco de lixo, não tinha água pra beber, eu menstruei lá e me forrei foi com pedaço de colchão porque não tinha absorvente, eu pedi pra falar com a direção do presídio. Eu disse assim ‘seu diretor, permissão pra eu falar com o senhor, mas aqui não tem lençol, o colchão está se desmanchando, aqui não tem água pra beber’, aí vinha o carro pipa da água para nós, aquela água réa verde pra gente beber”, informa. “A gente ia reclamar, elas diziam que quem mandava era o Estado", acrescenta.
Falta de insumos
Os kits de higiene que as detentas recebem são escassos para o número de mulheres do presídio feminino IPF Auri Moura Costa. Além da falta de sabão suficiente para a lavagem das roupas, os absorventes também chegam em quantidade mínima. “Lá, elas querem dar um pacote de absorvente para umas 5 presas usarem. Uma mulher não usa só 1 absorvente, usa 2, usa 3. Tem gente que usa mais", comenta Ana Clara sobre a escassez dos produtos dados pelas agentes.
Em mais desabafos, Ana Clara continua relatando as condições desfavoráveis que ela e as outras detentas são condenadas a viverem. “Quando isso acontecia (falta de absorvente no presídio), nós rasgava lençol , a gente rasgava a toalha pra se forrar. Porque eles não tem como dá pra nós, dizem que vai chegar e nunca chega. E se chega não dá pra todo mundo suficiente, elas dão em outra rua (para detentas de outros pavilhões) se a ala tiver fazendo zuada ou alguém tiver conversando, elas não dão pra nós. Então, pra gente se manter, a gente rasga farda ou rasga lençol. Quando tava sujo de sangue a gente botava de molho o pano, lavava com sabão de coco quando tinha ou então lavava só com água e dava um jeitinho pra botar pra secar, porque era desse jeito que a gente sobrevivia lá. Eu menstruada rasguei três lençol, três toalhas e fiquei sem me forrar morrendo de frio porque foi na época que não entrava malote* (por causa da pandemia).”
Os banhos, por sua vez, são tomados um no horário da manhã e outro no horário da noite. A água só cai duas vezes ao dia e isso não acontece “nós passava o dia todinho sem tomar banho”, conta Ana Clara.
*Malotes: são os recursos de higiene mais vestuários entregues pelos familiares de encarcerados nas visitas.