“O sistema prisional, como um todo, é adoecedor”:
a violação dos direitos humanos
nas penitenciárias femininas cearenses
Violência e Maus tratos
Os três anos de Ana Clara (nome fictício) dentro do presídio feminino IPF Auri Moura Costa não foram fáceis. Apesar de ser condenada a viver sem liberdade por cumprir a sua pena, ainda precisou ser submetida a abusos psicológicos, violências e punições constantes. Embora esteja atualmente cumprindo sentença sob o regime de prisão domiciliar, relata que não consegue esquecer dos procedimentos - mãos na cabeça baixa, muitas vezes em pé ou de cócoras, outras com o corpo voltado para a parede - que precisou fazer na prisão por muito tempo. “Graças a Deus eu estou em casa, em prisão domiciliar, mas eu não me esqueço do procedimento. Eu me acordo e já quero ir pro procedimento. Pra mim é muito difícil, pois eu passava muito tempo de cabeça baixa, eu passava muito tempo no chão, de cócoras, com a mão na cabeça. E eu ficava no sol quente, como a irmã (Irmã Elizabeth) já viu, eles não querem saber se ta chuva, não querem saber se tá sol quente, só querem saber se você tem que ir pro procedimento. A gente pede permissão ‘dona, a gente já tá cansada, a gente já tá mais de horas aqui’, e ela respondia ‘tem que ficar aí, o estado manda você ficar aí’ ”, relata.
Para a Irmã Elizabeth, atuante na Pastoral Carcerária do Ceará, essas condutas são absurdas. Ela menciona uma situação em que presenciou: “vimos lá as meninas no sol quente ,na área de banho de sol. O sol quente horrível, elas todas banhadas de suor e não tinham nem água pra elas tomar, elas pediam ‘irmã me dê um pouco de água’, pertinho tinha um torneira que água, eu acho, não era nem potável. Os garrafões estavam todos vazios, eu enchia um garrafão e dava água pra elas. Eu via que elas passavam sede”.
Apesar da constituição assegurar os direitos dessas mulheres, os constantes abusos condenam-as a viverem em um ciclo de violência. A cartilha da mulher presa, publicada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2012, integra os direitos das mulheres privadas de liberdade, no qual devem receber tratamento adequado, sem nenhum tipo de violência ou danos morais. Por outro lado, investiga-se práticas de tortura, punições e outras atitudes opressoras contra esse grupo dentro dos presidios, executadas pelas proprias profissionais atuantes nas unidades. “Muitas são as notícias de tortura e sanções coletivas. Muitas as minúcias que revelam maldade nas ações das policiais penais. Muitos excessos em nome da ‘segurança e disciplina'', comenta Dra. Ruth, advogada criminalista e voluntária da Pastoral Carcerária do estado.
Inclusive, muitas dessas formas de tortura possuem nome e algumas, além de maltratarem fisicamente, servem para humilhá-las. “ Tem os procedimentos já conhecidos por elas. Tem o corredor da morte: as agentes colocam sabão no chão para as presidiárias passarem. Quem escorregar, banha. Esse tipo de procedimento é muito recorrente nas regressas. Seria mentira se fosse só uma que dissesse, a gente não podia acreditar, porém várias regressas que relatam, citam os mesmos procedimentos”, conta Lívia.
Outras violações, como a de agentes homens terem contato com essas mulheres, foi cometida e ainda as coagiram com provocações e violência verbal. “A gente tinha contato com os agentes e eles subiam lá (na parte em que ela estava), não é pra ter agente homem no presidio da mulher e os agentes andavam em cima e chamavam a gente de carniça, fedorenta, deram um sabão de coco lá pra gente se lavar e eles falavam ‘ta ai o sabão de coco pra vocês lavar a buceta de vocês que tão fedendo sua bando de carniça’ disse desse jeito”, comenta. “Suas almas sebosas, vagabundas, pirangueiras” acrescenta Ana Clara sobre como as agentes as chamam na unidade.
Esses maus tratos ocorrem em silêncio e se perpetuam de maneira velada, deixando, sobretudo, essas mulheres sem terem para quem recorrer, pois caso façam isso, são punidas. De acordo com Ana Clara, nem mesmo os familiares ficam sabendo da situação em que elas vivem e o medo de falar é maior do que o de denunciar. "A gente tem que respeitar porque não tem como darmos segurança” desabafa Dra. Aline Miranda, defensora pública atuante no Instituto Penal Feminino Auri Moura Costa, sobre os próprios familiares sentirem receio de contar a situação de suas parentes por medo delas sofrerem retaliação dos profissionais na prisão. “Nós (defensores públicos) somos também os olhos, os ouvidos, sobretudo a voz dessas pessoas que estão lá, então quando elas nos relatam abusos, violências sofridas, nós temos que tomar termo e levar a denúncia a ser apurada, então é uma relação muito delicada, exige da gente muito jogo de cintura, muita sabedoria e saber que nós também estamos sendo fiscalizados todo tempo”, relata a defensora.